Congratulações à Esquerda

Por Carlos I.S. Azambuja

O texto abaixo comenta a forma lenta e gradual com que os antigos terroristas e militantes comunistas assumiram posições de destaque na política nacional, utilizando-as para embolsar dinheiro público e humilhar os que impediram seus planos totalitários no passado.

“As feridas e os erros da esquerda precisam sangrar para que as insuficiências e incompreensões possam ser superadas” (José Genoíno, O Globo, 06 Fev 96).

Logo após a Revolução de 31 de Março e 1964 que depôs o governo comunizante de João Goulart, as organizações, grupos e partidos de esquerda então existentes em nosso país e, logo após, inúmeras outras organizações constituídas pelas bases radicalizadas do chamado “Partidão”, definiram como prioridade a derrubada do regime instituído, utilizando como tática a violência armada e todas as formas de luta, conforme prescrevem os manuais do marxismo-leninismo.

Esse projeto de luta armada, no entanto, vinha sendo alimentado desde antes de 1964, estimulado pelo exemplo da revolução cubana. Isso, sem falar nas propostas de revolução armada que vinham de muito antes, na melhor tradição bolchevique, como o levante comunista de 1935, determinado pelo Komintern.

É notório que já no governo Jango existiam grupos voltados para essas formas de luta “mais avançadas”, segundo o jargão marxista.

Nesse sentido, é esclarecedor o depoimento de um ex-guerrilheiro urbano, membro dirigente, nos anos 60, da Dissidência da Guanabara e, depois, do Movimento Revolucionário Oito de Outubro, preso, banido do país e posteriormente anistiado: “(...)Antes da radicalização da ditadura, em 1968, e antes mesmo de sua própria instauração, em 1964, estava no ar um projeto revolucionário ofensivo. Os dissidentes se estilhaçariam em torno de encaminhamentos concretos, formando uma miríade de organizações e grupos, mas havia acordo quanto ao nó da questão: chegara a hora do assalto” (Daniel Aarão Reis, atual professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense. publicado na revista “Teoria e Debate” de julho/agosto/setembro de 1996).

Os seqüestros de aviões, de diplomatas estrangeiros, os roubos de armas, os atentados terroristas, os assaltos a agências bancárias, a estabelecimentos comerciais e até mesmo a residências, os ataques a quartéis, foram transformados em tática militar e precederam o que é denominado de “radicalização da ditadura” em dezembro de 1968, com a edição do Ato Institucional nº 5.

Em 1970, ao assumir a presidência da República, o general Garrastazu Médici definiu como prioritário o fim do terrorismo e para isso criou os DOI/CODI. No entanto, Marighela não mais existia, pois havia sido morto em uma via pública, em São Paulo, no ano anterior. Essa via pública, assim como tantas outras, foi definida, posteriormente, pela Comissão de Mortos e Desaparecidos, como um local assemelhado a uma dependência policial ou sujeito à administração militar.

Ele, Marighela, que a Inteligência cubana imaginava transformar no sucessor de Che Guevara (vide o livro de Luis Mir, “A Revolução Impossível”) havia deixado um testamento que iria ser responsável por uma montanha de mortos entre os que seguiram seus ensinamentos: o Minimanual do Guerrilheiro Urbano.

Lamarca, no entanto, que traiu o Exército, sua mulher e seus filhos, ladrão de armas, assaltante de bancos, sequestrador e assassino de inocentes de forma vil, como a morte a coronhadas do tenente Alberto Mendes Junior, no Vale da Ribeira, ainda viveria até o ano seguinte. Em setembro de 1971 seria morto no sertão da Bahia, local que a Comissão de Mortos e Desaparecidos definiu como sujeito à administração militar, para, assim, indenizar sua mulher que já era pensionista de seu marido.

Em agosto de 1979, com as guerrilhas urbana e rural erradicadas e o país pacificado, o presidente Figueiredo assinou a lei que concedeu uma anistia ampla, geral e irrestrita. Essa lei libertou todos os terroristas que se encontravam presos.

Em maio de 1985, a chamada Nova República legalizou os partidos clandestinos graças a uma Emenda Constitucional de autoria do então deputado federal pelo PMDB Roberto Freire, ele próprio dirigente de um desses partidos clandestinos, o PCB.

A partir de então, o aparelho burocrático do governo passou a ser ocupado, de forma lenta, gradual e segura pela esquerda derrotada, anistiada, mas não conformada. Os Órgãos de Inteligência, na era Collor, foram desmantelados e as Forças Armadas economicamente sufocadas, restando-lhes uma única função: sobreviver.

A Constituição cidadã, de 1988, propiciou centenas de retornos às Forças Armadas. O Estado promoveu-os e pagou por isso. Também os demitidos e expulsos, foram reincorporados a partir de 1985 e promovidos.

Como se isso não bastasse, uma Comissão, denominada de “Mortos e Desaparecidos Políticos” foi constituída e recompensou e continua a recompensar as famílias daqueles que livremente escolheram o caminho da luta armada, sequestraram, assaltaram e mataram, sendo, afinal, mortos por aqueles que, constitucionalmente, cumpriam suas obrigações de defender a Lei e a Ordem, coerentes com o juramento que fizeram ao entrar para a carreira militar, de defender a Pátria com o sacrifício da própria vida.

Do lado dos que se opuseram a que a Pátria fosse transformada em uma república popular democrática, vidas preciosas foram perdidas, muitas famílias ficaram sem os seus chefes, mas nenhuma delas, em todos esses anos, nada reivindicou.

Com relação, especificamente, ao caso de Carlos Lamarca, a relatora, na Comissão de Mortos e Desaparecidos, uma ex-guerrilheira urbana, afirmou cinicamente que a repressão não respeitou a Convenção de Genebra e que ... “como os guerrilheiros do Araguaia, ele (Lamarca) fez, também, prisioneiros aos quais respeitou a integridade”, e afirmou, também, que o redator da Lei que proporciona a recompensa às famílias dos mortos pela repressão, então chefe do gabinete do Ministério da Justiça, legislou por conta própria, e que ... “foi vontade do legislador incluir os que morreram em combate direto com as forças repressivas”. Isso tudo não passa de uma piada.


Parabéns às esquerdas. Vocês chegaram lá, utilizando os meios pacíficos, a la Gramsci. Afinal, essa é uma forma de luta, também revolucionária.


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Carlos Azambuja é historiador.  

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