Por Carlos I.S.Azambuja
Resumo: Paradoxalmente, as organizações terroristas, que desprezam a lei e a ordem existentes, são freqüentemente respaldadas por essas mesmas leis que almejam destruir.
“É essencial fazer o processo de interrogatórios funcionar. A guerra contra o terrorismo não será decidida pelo poderio da mão-de-obra ou da artilharia, como na 2ª Guerra Mundial, mas localizando os terroristas e sabendo quando e onde os ataques futuros poderão acontecer. Esta é uma guerra na qual a Inteligência é tudo. Vencer ou perder depende de informações de Inteligência”. (Cadeia de Comando – A Guerra de Bush do 11 de setembro às Torturas de Abu Ghraib, Seymor Hersh, Editora Ediouro, 2004)
O texto abaixo é uma síntese de diversos artigos já publicados pelo autor sobre o tema Terrorismo. Contém, todavia, alguns dados inéditos sobre o tema.
A possibilidade de uma organização não-estatal relativamente pequena e fraca infligir um dano catastrófico, é algo genuinamente novo nas relações internacionais e representa um desafio sem precedentes à segurança. Todo o edifício da teoria das relações internacionais é construído em torno do pressuposto de que os Estados são os únicos participantes significativos na política mundial. Se uma destruição catastrófica pode ser infligida por agentes que não são Estados, então muitos conceitos que fizeram parte da política de segurança ao longo dos dois últimos séculos – equilíbrio de poder, dissuasão, contenção e assemelhados – pedem sua relevância. A teoria da dissuasão, em particular, depende de o usuário de qualquer forma de arma de destruição em massa ter um endereço e, com ele, ativos que possam ser ameaçados em retaliação.
As regiões fronteiriças entre Afeganistão e Paquistão, e
entre Paquistão e Índia, reúnem 65 diferentes grupos de guerrilheiros e
terroristas. Somando-se a mais de 30 grupos atuando no Iraque, o resultado significa
que a Ásia Central é a região mais turbulenta do planeta.
Segundo Nigel Inkster, diretor da área de Ameaças
Transnacionais e Risco Político do Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos, o número de grupos violentos “não estatais” aumentou - são cerca
de 400 em todo o mundo (coletiva de imprensa, disponível no site do instituto:
www.iiss.org).
- Definição de terrorismo
Definir o que é terrorismo não é uma tarefa fácil. O
terrorismo é uma forma de propaganda armada. É definido pela natureza do ato
praticado e não pela identidade de seus autores ou pela natureza de sua causa.
Suas ações são realizadas de forma a alcançar publicidade máxima, pois têm como
objetivo produzir efeitos além dos danos físicos imediatos. Pode ser dito que o
terrorismo é o emprego sistemático e premeditado da violência contra alvos
não-combatentes a fim de intimidar governos e sociedades. Em toda a sua
existência, a ONU não conseguiu obter um consenso para uma definição do que é
terrorismo.
Vilipendiado pela maioria das pessoas, defendido pelos seus
instigadores, a verdade é que o terrorismo conseguiu prioridade na cobertura da
mídia. Sua incidência mais que dobrou nos últimos anos e se transformou em um
dos mais prementes problemas políticos da atualidade. Suas características
multifacetadas, suas letalidade e imprevisibilidade, que não custam caro,
tornam a prevenção e controle difíceis, dispendiosos e não confiáveis.
As definições abaixo comprovam que não há uniformidade nem
mesmo entre os órgãos de Inteligência e de Segurança de um mesmo país sobre o
tema terrorismo:
“O uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou
propriedades para intimidar ou coagir um governo, uma população civil, ou
qualquer segmento dela, em apoio a objetivos políticos ou sociais” (FBI);
“O calculado uso da violência ou da ameaça de sua utilização
para inculcar medo, com a intenção de coagir ou intimidar governos ou
sociedades, a fim de conseguir objetivos, geralmente políticos, religiosos ou
ideológicos” (Departamento de Defesa dos EUA);
“Violência premeditada e politicamente motivada, perpetrada
contra alvos não combatentes por grupos sub-nacionais ou agentes clandestinos,
normalmente com a intenção de influenciar uma audiência” (Departamento de
Estado dos EUA).
Nessa lista de definições, o ponto comum fica evidente mas
há diferenças de ênfase. O FBI frisa a coerção, a ilegalidade e as agressões
contra a propriedade em apoio a objetivos sociais bem como políticos. O
Departamento de Estado coloca a ênfase na premeditação, frisa a potencial
motivação política de grupos, mas não faz referência à violência espontânea ou
à significação psicológica da ação ameaçada. O Departamento de Defesa, com mais
abrangência, dá igual destaque à violência real ou ameaçada, cita uma faixa
mais ampla de objetivos e inclui entre os possíveis alvos não só governos como
também sociedades inteiras.
As definições de terrorismo conhecidas provocam
interrogações. Uma delas: por quais critérios os terroristas devem ser
considerados por executarem atos ilegais ou ilegítimos? Essa é uma questão que
desperta a atenção dos cientistas políticos. Há concordância generalizada de
que é importante examinar o contexto em que o terrorismo e os terroristas
operam. Ou seja, os fatores históricos, sociais, econômicos, étnicos e até
psicológicos que têm alguma influência sobre o pensamento, o comportamento e a
ação dos terroristas.
No Brasil, mesmo com a crescente pressão internacional, o
Congresso ainda não decidiu sobre a tipificação do crime de terrorismo. Segundo
o jornal O Globo de 15 de novembro de 2007, uma decisão de sepultar o projeto
antiterrorista consta de um relatório do grupo criado pela Estratégia Nacional
de Combate à Corrupção e Levagem de Dinheiro (Enccia), formado por
representantes dos ministérios da Justiça, Defesa, Relações Exteriores,
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e membros do Ministério
Público Federal e do Judiciário. Após um ano de estudos, esses especialistas
entenderam que a classificação de terrorismo como crime “é inviável”. O
Gabinete de Segurança Institucional, em relatório enviado ao Ministério da
Justiça, comunicando essa decisão, alegou que qualquer definição “seria mortal
para os movimentos sociais e grupos de resistência política”.
Também não existe lei no Brasil que defina o que é uma
organização criminosa, segundo o ministro Cayres de Brito, do STF, em 17 de
agosto de 2007, durante uma sessão do julgamento dos 40 quadrilheiros do
Mensalão. A menos que se apreenda uma ata da criação de uma organização
criminosa, dificilmente se poderia ter provas de sua existência, segundo o
ministro.
Essas lacunas constituem, sem dúvida, um fator de força para
o terrorismo e o crime organizado.
- O terrorismo e a Convenção de Genebra
Um dos mais condecorados militares, o general francês Massu,
em seu livro A Batalha de Argel, fez a apologia da “tortura funcional, que
poupa a vida da vítima mas obtém a informação necessária”. Defendeu a violação
da Convenção de Genebra na Argélia, argumentando que os combatentes argelinos
não eram soldados regulares e, por isso, não têm direito à proteção dada ao
prisioneiro comum. O terrorista vitima não-combatente, põe bombas em aviões
civis, em trens de passageiros comuns, matando mulheres e crianças. Argumento
diverso não é o dos consultores jurídicos do governo Bush: “A Convenção de
Genebra trata da guerra e não do terrorismo” .
- Objetivos e características do terrorismo
- O objetivo básico do terrorismo é buscar estabelecer um
clima de insegurança, uma crise de confiança que a comunidade deposita em um
regime, que facilite a eclosão ou o desenvolvimento de um processo
revolucionário. Ou seja, objetiva criar artificialmente as condições objetivas
que tornem factíveis uma revolução;
- O alvo, para os terroristas, é irrelevante, pois o que
lhes interessa “não é a natureza do cadáver, mas sim os efeitos obtidos”,
conforme escreveu Carlos Marighela, no final dos anos 60, em seu Minimanual do
Guerrilheiro Urbano;
- Os prédios públicos, instituições e instalações que
desempenham funções importantes e simbolizam a ordem vigente são os alvos
preferidos. Também ataques indiscriminados e ao acaso contra a população,
visando atingir suas atividades quotidianas, em supermercados, lojas,
restaurantes, aeroportos, estações rodoviárias e ferroviárias, trens e metrôs,
objetivando, nesse caso, fomentar um clima generalizado de medo e o sentimento
de que ninguém está seguro, em parte alguma, seja qual for sua importância
política, como foi o caso do atentado em 11 de setembro de 2001 às Torres
Gêmeas, em Nova York, e 11 de março de 2004 a um trem de passageiros, em Madri;
- Uma das características que define o terrorismo moderno é
a sua internacionalização, resultante de três fatores, até certo ponto
complementares: a cooperação existente entre organizações terroristas; o fato
de Estados nacionais soberanos apoiarem grupos terroristas e utilizarem o
terror como meio de ação política, especialmente no Oriente Médio; e a
crescente facilidade com que terroristas cruzam fronteiras para agir em outros
países;
- Os terroristas não têm origem no proletariado e sim na
chamada classe média, uma vez que a causa do terrorismo não é a pobreza e sim
problemas políticos. A motivação política é a característica fundamental do
terrorismo;
- Embora os grupos terroristas envolvam cerca de 80
diferentes nacionalidades, os mais ativos têm sido os palestinos, sendo que,
para os grupos religiosos islâmicos, tanto o capitalismo como o socialismo são
um mal. Eles dizem agir em nome de Maomé, com quem alegam ter ligação direta;
- As organizações dedicadas ao terrorismo começaram a agir
sem vínculos entre si e sem inspiração ou ajuda externa. Hoje, todavia,
coordenam suas atividades, prestam serviços umas às outras, emprestam-se homens
e armas, compartilham campos de treinamento, e algumas têm por trás de si
Estados que as financiam, que lhes dão guarida, armam, fornecem documentação e
comandam suas operações;
- O terrorismo deve ser combatido de uma forma total e
coordenada, sob pena de fugir ao controle. Uma defesa puramente passiva - o
contra-terrorismo - historicamente não tem constituído um obstáculo suficiente
para conter o seu desenvolvimento. O antiterrorismo, ao contrário, sugere uma
estratégia ofensiva, com o emprego de toda uma gama de opções para prevenir e
impedir que atos terroristas ocorram, levando a guerra aos terroristas. Essa,
todavia, não é uma tarefa simples. Exige Serviços de Inteligência altamente
capacitados e governos determinados, uma vez que, nesse caso, as represálias
são levadas a efeito antes que haja qualquer ataque. Antes, portanto, que sejam
causados quaisquer tipos de danos. O antiterrorismo é, portanto, uma resposta a
algo que ainda não ocorreu. Nesse sentido, talvez não constitua surpresa o fato
de Otto Von Bismarck, o grande chanceler alemão, ter comparado a guerra
preventiva a “cometer o suicídio por medo de morrer”. É geralmente considerado
legítimo recorrer à defesa violenta em resposta a graves ameaças que inflijam
extensos sofrimentos humanos ou ponham em risco a própria sobrevivência da sociedade.
Todavia, esse critério da grave ameaça é escorregadio na aplicação específica.
Como na maioria dos julgamentos humanos, a avaliação da gravidade da ameaça
envolve sempre alguma subjetividade. A grave ameaça prescreve uma escolha de
opções, mas a escolha de opções violentas também formata, muitas vezes, a
construção da grave ameaça;
- É impossível proteger por todo o tempo todos os alvos em
potencial, ficando assim, sempre, os terroristas, com a vantagem da iniciativa.
Para que essa proteção fosse efetiva seria necessário implantar um
Estado-policial, exatamente o tipo de situação que os terroristas gostariam que
fosse criada, pois, assim, teriam um inimigo fascista para combater... em nome
da democracia. Uma democracia não pode utilizar um cidadão em cada cinco para
ser policial; não pode fechar suas fronteiras e nem restringir as viagens
dentro do país; nem manter uma vigilância constante sobre cada hotel, cada
prédio, cada apartamento em cada andar; e nem gastar horas revistando carros
nas ruas e bagagens de viajantes nos aeroportos e em terminais rodoviários;
- Finalmente, assim sendo, uma das únicas defesas contra o
terrorismo é a possibilidade de realizar uma infiltração com a finalidade de
interceptar e conhecer antecipadamente quando e onde um alvo deverá ser
atacado. Essa, contudo, é, como já foi dito, uma tarefa para um excepcional
Serviço de Inteligência, aliada a dois componentes essenciais: vontade política
e decisões que não temam riscos, mormente agora, em que o fundamentalismo
islâmico substituiu o marxismo e o anarquismo como principal ideologia
revolucionária utilizada para justificar, gerar e difundir o terrorismo.
Todavia, é um fato de que quanto mais brutais forem as represálias contra o
apoio da população às atividades terroristas, menor será o apoio ao governo.
Por outro lado, também é verdadeiro que os grupos que se valem da coerção e do
terror para conseguirem o apoio da população, colocam em risco os seus
interesses de longo prazo e apresentam à Inteligência oportunidades para recrutar
informantes e penetrar nas organizações terroristas ou insurgentes.
O objetivo de recordar os conceitos acima foi a publicação
pela imprensa da oportunista - esse é o adjetivo correto - decisão dos
representantes dos 192 países que compõem a Organização das Nações Unidas
(ONU), aprovada em 8 de setembro de 2006, às vésperas do quinto aniversário do
ataque às Torres Gêmeas, de “adotar uma estratégia global contra o terrorismo”.
Isso, sem antes, durante toda a sua trajetória desde que foi fundada, conseguir
definir para o mundo o que seja terrorismo de uma forma aceitável a todas as
pessoas e Estados.
- O terrorismo é a arma dos fracos
O terrorismo é a arma dos fracos. Existe, todavia, uma
tendência nas sociedades ocidentais de identificar o “lado fraco” com o “lado
justo”. Essa tendência faz com que as organizações insurgentes ou terroristas,
ou ainda de ideologias religiosas reacionárias, mesmo agindo contra a maioria
da opinião pública, contra os desejos da maioria do povo, aproveitem-se dessa
tendência – “lado fraco”, “lado justo” - e usem a mídia para tentar aumentar o
apoio à sua causa, embora nas atividades terroristas os civis inocentes
tornem-se o alvo principal.
Apesar de ser considerada a arma dos fracos, o general
Aleksandr Sakharovski, um dos chefes da KGB, definiu, em 1967, o novo rumo a
ser seguido pelo comunismo internacional: "No mundo de hoje, quando as
armas nucleares tornaram obsoleta a força militar, a nossa principal arma deve
ser o terrorismo”. (citado por Olavo de Carvalho – “O Orvalho Vem Caindo”,
Diário do Comércio, 05 de novembro de 2007).
Paradoxalmente, as organizações terroristas, que desprezam a
lei e a ordem existentes, são freqüentemente respaldadas por essas mesmas leis
que almejam destruir. Leis que garantem os direitos individuais e que buscam
evitar que o governo penetre na privacidade das pessoas, que não permitem
prisões indiscriminadas, que proíbem o uso de pressões irresistíveis durante
interrogatórios e que determinam o seguimento estrito dos procedimentos legais.
Tais leis servem como um dispositivo importante na proteção aos insurgentes e
aos terroristas. Além disso, em nome da democracia, as leis geralmente não se
opõem a que as organizações levem a cabo operações abertas para organizar-se,
recrutar novos membros, publicar jornais e panfletos e até angariar fundos
Apesar de todos os obstáculos legais, “é essencial fazer o
processo de interrogatórios funcionar. A guerra contra o terrorismo não será
decidida pelo poderio da mão-de-obra ou da artilharia, como na 2ª Guerra
Mundial, mas localizando os terroristas e sabendo quando e onde os ataques
futuros poderão acontecer. Esta é uma guerra na qual a Inteligência é tudo.
Vencer ou perder depende de informações de Inteligência. Estamos diante de um
inimigo que não luta, ataca ou planeja de acordo com as leis da guerra”.
(“Cadeia de Comando – A Guerra de Bush do 11 de setembro às Torturas de Abu
Ghraib”, Seymor Hersh, editora Ediouro, 2004).
Nesse sentido, o Novo Manual de Contra-Insurgência dos EUA
(http://www.defesanet.com.br/zz/war_fm3-24.htm) define, em seu capítulo
terceiro, que é “indispensável a preparação da Inteligência, no ambiente
operacional e antecedendo as operações a serem realizadas”, ficando evidente a
máxima que, na atualidade, numa campanha de contra-insurreição bem sucedida, é
impositivo que “a Inteligência conduza as operações”.
No Brasil, no regulamento da Agência Brasileira de
Inteligência–Abin, foi criado um Departamento de Contra-Terrorismo, organismo
que, conceitualmente, busca levar a guerra aos terroristas, imobilizando-os
antes mesmo que pratiquem qualquer ato criminoso. Ou seja, uma busca pelo que
ainda não foi feito, o que exige órgãos de Inteligência de alta qualidade. Tudo
isso, contudo, não deixa de ser um paradoxo, pois como funcionará um
Departamento de Contra-Terrorismo se nem os experts da ONU e nem os do governo
brasileiro conseguiram ainda definir o que seja Terrorismo?
Tampouco, no Brasil, se conseguiu definir o que é uma
organização criminosa (ministro Ayres de Brito, do STF, em 27 de agosto de
2007).
Fonte: A Verdade Sufocada
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